sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral

RESUMO

Autismo e síndrome de Asperger são entidades diagnosticadas numa família de transtornos de neurodesenvolvimento nos quais ocorre uma ruptura nos processos fundamentais de socialização, comunicação e aprendizado.

Esses transtornos são colectivamente conhecidos como transtornos invasivos de desenvolvimento. Esse grupo de condições está entre os transtornos de desenvolvimento mais comuns, afectando aproximadamente 1 em cada 200 indivíduos. Eles estão também entre os com maior carga genética entre os transtornos de desenvolvimento, com riscos de recorrência entre familiares da ordem de 2 a 15% se for adoptada uma definição mais ampla de critério diagnóstico.
O início precoce, perfil sintomático e cronicidade
envolvem mecanismos biológicos fundamentais relacionados à adaptação social. Avanços em sua compreensão estão conduzindo a uma nova perspectiva da neurociência ao estudar os processos típicos de socialização e das interrupções específicas deles advindas. Esses processos podem levar à emergência de fenótipos altamente heterogêneos associados ao autismo, o paradigmático transtorno invasivo de desenvolvimento e suas variantes. Esta revisão foca o histórico, a gnoseologia e as características clínicas e associadas aos dois transtornos invasivos de desenvolvimento mais conhecidos – o autismo e a síndrome de Asperger.


Introdução

O autismo e a síndrome de Asperger são os mais conhecidos entre os transtornos invasivos do desenvolvimento (TID), uma família de condições marcada pelo início precoce de atrasos e desvios no desenvolvimento das habilidades sociais, comunicativas e demais habilidades. Na quarta edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), a categoria TID inclui condições que estão invariavelmente associadas ao retardo mental (síndrome de Rett e transtorno desintegrador da infância), condições que podem ou não estar associados ao retardo mental (autismo e TID sem outra especificação ou TID-SOE) e uma condição que é tipicamente associada à inteligência normal (síndrome de Asperger). Os TIDs estão entre os transtornos de desenvolvimento mais comuns. Referem-se a uma família de condições caracterizadas por uma grande variabilidade de apresentações clínicas. Podem variar tanto em relação ao perfil da sintomatologia quanto ao grau de acometimento, mas são agrupados por apresentarem em comum uma interrupção precoce dos processos de socialização  São, por natureza, transtornos do neurodesenvolvimento que acometem mecanismos cerebrais de sociabilidade básicos e precoces. Consequentemente, ocorre uma interrupção dos processos normais de desenvolvimento social, cognitivo e da comunicação. A consciência de que as manifestações comportamentais são heterogéneas e de que há diferentes graus de acometimento, e provavelmente múltiplos factores etiológicos, deram origem ao termo transtornos do espectro do autismo que, como o termo TID, refere-se a várias condições distintas (autismo, síndrome de Asperger e TID-SOE), mas que, ao contrário do termo TID, refere-se a uma possível natureza dimensional que interconecta diversas condições mais do que a fronteiras claramente definidas em torno de rótulos diagnósticos. Este conceito de natureza dimensional apoia se no fato de que o autismo e transtornos relacionados são os transtornos do desenvolvimento mais fortemente associados a factores genéticos, e no fato de que podem ser encontradas vulnerabilidade e rigidez social em familiares desses pacientes, mesmo que esses familiares não preencham critérios para um diagnóstico clínico. Refere-se, muitas vezes, a esses familiares como portadores do "fenótipo mais amplo de autismo".
Esta revisão foca o paradigma dos TID (o autismo), bem como uma variante próxima (a síndrome de Asperger). Enquanto a validade do diagnóstico de autismo é inquestionável, o status de validade da síndrome de Asperger (SA) ainda é controverso, mesmo 12 anos após sua formalização no DSM-IV. A controvérsia é relacionada principalmente ao fato deste diagnóstico ser confundido com o de autismo não acompanhado de retardo mental, ou autismo com "alto grau de funcionamento" (AAGF). Nós iremos enfatizar a descrição de casos prototípicos dessas condições. No entanto, as discussões científicas actuais nessa área tendem a focar sua atenção nos potenciais mediadores da expressão clínica da síndrome (i.e. factores preditores de diferentes apresentações fenotípicas) e não nas questões do diagnóstico diferencial (i.e. na questão se o AAGF e SA são a mesma entidade diagnostica ou não). Uma boa dose de confusão ainda cerca o uso do termo síndrome de Asperger ou transtorno de Asperger, sendo que não há quase nenhum consenso entre a comunidade de pesquisadores clínicos.3 A ênfase desta revisão não está nas pesquisas voltadas a uma ou outra forma específica de separar SA e AAGF. Ao contrário, enfatiza as necessidades e os desafios típicos enfrentados pelos indivíduos com essas condições, independentemente do rótulo específico a eles atribuído.

Autismo


O autismo, também conhecido como transtorno autista, autismo da infância, autismo infantil e autismo infantil precoce, é o TID mais conhecido. Nessa condição, existe um marcado e permanente prejuízo na interação social, alterações da comunicação e padrões limitados ou estereotipados de comportamentos e interesses. As anormalidades no funcionamento em cada uma dessas áreas devem estar presentes em torno dos três anos de idade. Aproximadamente 60 a 70% dos indivíduos com autismo funcionam na faixa do retardo mental, ainda que esse percentual esteja encolhendo em estudos mais recentes. Essa mudança provavelmente reflecte uma maior percepção sobre as manifestações do autismo com alto grau de funcionamento, o que, por sua vez, parece conduzir a que um maior número de indivíduos seja diagnosticado com essa condição

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